Por que o Safra
comprou um pepino para aluguel e se deu bem
MARCIO FENELON
Após o interesse demonstrado pela
série sobre bolha imobiliária, fui convocado a continuar escrevendo neste
Especial de Imóveis do Cartas da Iguatemi/Empiricus.
Escolhi agora o tema de aluguel de
imóveis.
A verdade é que há aluguéis e
aluguéis. Saber reconhecer um aluguel que adiciona valor e como obter este
aluguel é essencial para uma carteira de imóveis de sucesso.
Antes de começarmos, queria fazer uma
confissão. Só a partir de 2005 eu comecei a entender o potencial do setor
imobiliário. Até então eu não dava muita bola para ele. Tinha uma ideia
relativamente negativa por pura falta de conhecimento.
Então em 2005 eu tive contato com
incorporadoras de imóveis mexicanas em um desses eventos organizados por bancos
para atrair investidores estrangeiros.
Estava lá para apresentar a empresa
que trabalhava e acabei conhecendo duas empresas mexicanas do setor imobiliário
que estavam arrebentando. Na época achava que o segmento imobiliário nunca
poderia ser relevante no Brasil.
Mas se os mexicanos conseguiram, por que
não seria possível no Brasil?
Mal sabia eu que dois anos depois
estaria trabalhando em uma das empresas que participaram da revolução ocorrida
no mercado imobiliário brasileiro.
E foi lá que aprendi a beleza de ter um negócio de renda recorrente.
Um negócio de renda recorrente é aquele em que você investe
substancialmente no começo e, após a primeira venda, tem um longo fluxo de
caixa positivo pela frente.
Um exemplo são empresas de TV a cabo. Depois de a pessoa assinar o
pacote, a empresa pode esperar que ela ficará muitos meses ou anos pagando
aquela conta.
Os aluguéis são a expressão máxima
desta condição. São contratos de longo prazo e com uma barreira importante para
o término do contrato: o custo de mudança. Isso faz com que tenham um alto grau
de previsibilidade.
E previsibilidade vale dinheiro. Literalmente.
Se você recebesse uma proposta de dois negócios que projetam dar um
fluxo de caixa de R$ 1.000.000 nos próximos cinco anos, qual você escolheria?
Um deles seria um edifício de escritórios de qualidade e o outro seria uma
revendedora de carros.
Qual você acha que proporcionaria maior segurança de se obter esse fluxo
de caixa?
Certamente a venda dos carros é muito mais incerta do que a renda do
aluguel. E por isso, só por isso, o fluxo de caixa advindo do aluguel vale
mais.
Isso explica meu interesse no anúncio de um negócio concretizado cerca
de duas semanas atrás. O famoso edifício de escritórios londrino 30 St Mary’s
Axe foi vendido pela bagatela de R$ 2,84 bilhões (£ 720 milhões).
O comprador foi nada menos, nada mais do que o Grupo Safra do bilionário
libanês radicado no Brasil Joseph Safra.
A compra teve uma certa dose de
emoção pelo leilão acirrado. Foram 200 interessados do mundo inteiro. O preço
inicial de £ 650 milhões foi facilmente superado.
Também foi motivo de comoção em
Londres o fato de um libanês-brasileiro comprar um prédio que, depois de 10
anos de sua construção, já é considerado um ícone do segundo maior mercado
financeiro do mundo.
O 30 St Mary’s Axe tem uma
arquitetura no mínimo curiosa. Desenhado pelo famoso arquiteto inglês Norman
Foster, este prédio não é conhecido pelo nome oficial. Em Londres todo mundo
chama o prédio pelo seu apelido de Gherkin.
Gherkin é o nome dado pelos
britânicos para o pepino usado para fazer picles. E sim, o prédio tem o formato
de um pepino.
O Financial Times apurou que o cap
rate da operação foi de 3,8%, ou seja, o prédio foi comprado por mais de 26
vezes o aluguel anual atual.
A pergunta que não quer calar é: o
que faria o grupo de um bilionário libanês-brasileiro comprar um prédio com um
cap rate tão baixo?
Vamos entender melhor o conceito de
cap rate. Também conhecido como capitalization rate, este índice é feito por
meio de uma conta muito simples:
Cap rate = resultado operacional /
preço de aquisição
O resultado operacional ou net
operating income (NOI) é o resultado de aluguéis recebidos diminuídos de
despesas de vacância (geralmente condomínio), despesas de manutenção e despesas
de administração. Ou seja, o resultado operacional representa o dinheiro que
entra no bolso do dono do prédio no fim do ano ou do mês.
Dividir o resultado operacional pelo
preço de aquisição indica qual percentual de rendimentos sobre o capital investido
podemos esperar.
Comprar um imóvel por um cap rate de
3,8% ao ano significa que o imóvel está produzindo um resultado operacional de
R$ 2.840.000.000 x 3,8% = R$ 107.920.000 por ano.
Quanto maior o cap rate, melhor para
o comprador.
Talvez você já saiba que imóveis
residenciais em São Paulo rendem cerca de 0,45% ao mês, ou 5,4% ao ano, segundo
o Secovi. Assim, se o Grupo Safra conseguisse comprar R$ 2,84 bilhões em casas,
ele receberia R$ 153.360.000 por ano ou 42% a mais do que o famoso Gherkin.
O cap rate de escritórios comerciais
no Brasil é 9,66%, segundo a FGV. Seriam R$ 274.344.000 em resultado
operacional ou 154% a mais que o Gherkin.
Nesse momento você deve estar
pensando: que vacilada hein, Safra?
Muita calma nessa hora. Alguns pontos
importantes da operação devem ser levados em conta para entendermos o
verdadeiro potencial da aquisição.
Pontos qualitativos da aquisição:
1 - Moeda
Obter rendimentos estáveis, com
características de renda recorrente é sempre muito bom e por si só já valoriza
um ativo. Mas obter renda recorrente em moeda forte é ainda mais valioso. Os
aluguéis do Gherkin são denominados em libras esterlinas. Enquanto o real está
permanentemente ameaçado de valorização, a libra esterlina tem característica
de moeda forte, conferindo estabilidade.
2 - Localização
2 - Localização
Londres é uma das poucas cidades do
mundo que pouco sentem as flutuações econômicas. O mundo compra ativos
imobiliários em Londres. Especialmente o mundo árabe, os russos, chineses,
indianos, europeus e brasileiros. Se determinado país ou setor econômico está
mal, sempre tem um outro país ou setor que está bem e portanto com vontade de
comprar em Londres. O mesmo fenômeno acontece em Nova York.
3 - Qualidade do ativo
Ser “O” prédio ícone de Londres é
algo que não é facilmente obtido mesmo com muito dinheiro. Um projeto
arquitetônico diferenciado e uma excelente localização fizeram o truque. E esta
é uma barreira de entrada importante para este edifício.
Estamos falando aqui do imóvel
comercial mais importante de Londres. É o que chamo de aluguel de placa. A
empresa ter sede nesse prédio certamente causa uma boa impressão em seus
clientes. E este não é um fator desprezível a ser considerado.
Este prédio certamente tem “earnings
power” ou capacidade de obter aluguéis maiores que a média com alta taxa de
ocupação.
4 - Tamanho do negócio
Por incrível que pareça para nós
mortais, bons negócios de quase R$ 3 bilhões são difíceis de serem
identificados. É verdadeiramente um problema para bilionários encontrar bons
ativos para investir na casa dos bilhões. Durma com um barulho destes.
Pontos quantitativos da aquisição:
1 - O prédio atualmente
Do jeito que o prédio está hoje,
supondo que os aluguéis sejam corrigidos pela inflação e também supondo que o
prédio seja vendido ao final de 20 anos pelo mesmo cap rate, ele apresentaria
uma taxa de retorno (TIR) de 5,65% ao ano.
2 - Potencial de crescimento dos
aluguéis
O imóvel está atualmente 99% ocupado
com um aluguel médio de R$ 209/m2/mês. Aluguel no nível do crème de la crème da
Faria Lima...
O interessante é que os últimos
aluguéis foram realizados na faixa de R$ 245/m2/mês. Uma relevante diferença de
17%.
Dada a qualidade do prédio e o nível
de ocupação, aliados ao fato de que é um dos marcos da cidade, é razoável
esperar que o empreendimento consiga elevar substancialmente os aluguéis
praticados.
Um aumento de 17% dos aluguéis faria
com que o retorno subisse de 5,65% ao ano para 6,80% ao ano.
3 - Alavancagem
Para turbinar a rentabilidade da
aquisição, basta financiar grande e realizar uma arbitragem de primeira
categoria.
Consultando operações similares de
financiamento de prédios de escritórios, estimo que o Grupo Safra deve
conseguir financiamentos com custo da ordem de Libor + 1,95% a.a.
Financiando 75% do valor de compra deste
imóvel, o retorno que estava em 6,80% ao ano passaria a 9,59% ao ano. Esse
aumento se deve ao fato de o retorno operacional ser maior que o custo do
financiamento.
Pronto, obter quase 10% de retorno ao
ano em libras esterlinas é um número muito bom para um ativo com alta
previsibilidade de fluxo de caixa como este Gherkin adquirido pelo Grupo Safra.
Mesmo comparando com o yield de imóveis comerciais brasileiros de 9,66% ao ano.
Portanto o objetivo do Grupo Safra
vai muito além da mera conservação de capital nesta transação. Os retornos
operacionais são maiores do que aqueles que seriam exigidos em um financiamento
da aquisição e só isso já representa criação de valor para o Grupo Safra. Mas
mesmo sem utilizar da alavancagem, o prédio tem características que permitem
visualizar um aumento do resultado operacional ao longo dos anos com alta
previsibilidade.
No final das contas, um pepininho até
que não cai tão mal.
E quais são as oportunidades que
temos no mercado brasileiro de aluguéis?
Isto é assunto para semana que vem.
Grande abraço.
PS: Caso ainda não tenha visto, na
semana passada divulgamos o primeiro relatório da série Especial de Imóveis,
abordando o tema bolha imobiliária. É um mapa completo para ajudar quem
está prestes a tomar uma decisão sobre imóveis - seja na ponta compradora ou
vendedora. Apresentamos um cenário base de preços, além de estimativas de
descontos para bons negócios.
Marcio Fenelon
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