quinta-feira, 27 de novembro de 2014

alugueis, ótimo investimento



Por que o Safra comprou um pepino para aluguel e se deu bem


MARCIO FENELON

Após o interesse demonstrado pela série sobre bolha imobiliária, fui convocado a continuar escrevendo neste Especial de Imóveis do Cartas da Iguatemi/Empiricus.
Escolhi agora o tema de aluguel de imóveis.

A verdade é que há aluguéis e aluguéis. Saber reconhecer um aluguel que adiciona valor e como obter este aluguel é essencial para uma carteira de imóveis de sucesso.

Antes de começarmos, queria fazer uma confissão. Só a partir de 2005 eu comecei a entender o potencial do setor imobiliário. Até então eu não dava muita bola para ele. Tinha uma ideia relativamente negativa por pura falta de conhecimento.

Então em 2005 eu tive contato com incorporadoras de imóveis mexicanas em um desses eventos organizados por bancos para atrair investidores estrangeiros.

Estava lá para apresentar a empresa que trabalhava e acabei conhecendo duas empresas mexicanas do setor imobiliário que estavam arrebentando. Na época achava que o segmento imobiliário nunca poderia ser relevante no Brasil.

Mas se os mexicanos conseguiram, por que não seria possível no Brasil?
Mal sabia eu que dois anos depois estaria trabalhando em uma das empresas que participaram da revolução ocorrida no mercado imobiliário brasileiro.

E foi lá que aprendi a beleza de ter um negócio de renda recorrente.

Um negócio de renda recorrente é aquele em que você investe substancialmente no começo e, após a primeira venda, tem um longo fluxo de caixa positivo pela frente.

Um exemplo são empresas de TV a cabo. Depois de a pessoa assinar o pacote, a empresa pode esperar que ela ficará muitos meses ou anos pagando aquela conta.

Os aluguéis são a expressão máxima desta condição. São contratos de longo prazo e com uma barreira importante para o término do contrato: o custo de mudança. Isso faz com que tenham um alto grau de previsibilidade.

E previsibilidade vale dinheiro. Literalmente.

Se você recebesse uma proposta de dois negócios que projetam dar um fluxo de caixa de R$ 1.000.000 nos próximos cinco anos, qual você escolheria? Um deles seria um edifício de escritórios de qualidade e o outro seria uma revendedora de carros.

Qual você acha que proporcionaria maior segurança de se obter esse fluxo de caixa?

Certamente a venda dos carros é muito mais incerta do que a renda do aluguel. E por isso, só por isso, o fluxo de caixa advindo do aluguel vale mais.

Isso explica meu interesse no anúncio de um negócio concretizado cerca de duas semanas atrás. O famoso edifício de escritórios londrino 30 St Mary’s Axe foi vendido pela bagatela de R$ 2,84 bilhões (£ 720 milhões).

O comprador foi nada menos, nada mais do que o Grupo Safra do bilionário libanês radicado no Brasil Joseph Safra.

A compra teve uma certa dose de emoção pelo leilão acirrado. Foram 200 interessados do mundo inteiro. O preço inicial de £ 650 milhões foi facilmente superado.

Também foi motivo de comoção em Londres o fato de um libanês-brasileiro comprar um prédio que, depois de 10 anos de sua construção, já é considerado um ícone do segundo maior mercado financeiro do mundo.

O 30 St Mary’s Axe tem uma arquitetura no mínimo curiosa. Desenhado pelo famoso arquiteto inglês Norman Foster, este prédio não é conhecido pelo nome oficial. Em Londres todo mundo chama o prédio pelo seu apelido de Gherkin.

Gherkin é o nome dado pelos britânicos para o pepino usado para fazer picles. E sim, o prédio tem o formato de um pepino.

O Financial Times apurou que o cap rate da operação foi de 3,8%, ou seja, o prédio foi comprado por mais de 26 vezes o aluguel anual atual.

A pergunta que não quer calar é: o que faria o grupo de um bilionário libanês-brasileiro comprar um prédio com um cap rate tão baixo?

Vamos entender melhor o conceito de cap rate. Também conhecido como capitalization rate, este índice é feito por meio de uma conta muito simples:

Cap rate = resultado operacional / preço de aquisição

O resultado operacional ou net operating income (NOI) é o resultado de aluguéis recebidos diminuídos de despesas de vacância (geralmente condomínio), despesas de manutenção e despesas de administração. Ou seja, o resultado operacional representa o dinheiro que entra no bolso do dono do prédio no fim do ano ou do mês.

Dividir o resultado operacional pelo preço de aquisição indica qual percentual de rendimentos sobre o capital investido podemos esperar.

Comprar um imóvel por um cap rate de 3,8% ao ano significa que o imóvel está produzindo um resultado operacional de R$ 2.840.000.000 x 3,8% = R$ 107.920.000 por ano.
Quanto maior o cap rate, melhor para o comprador.

Talvez você já saiba que imóveis residenciais em São Paulo rendem cerca de 0,45% ao mês, ou 5,4% ao ano, segundo o Secovi. Assim, se o Grupo Safra conseguisse comprar R$ 2,84 bilhões em casas, ele receberia R$ 153.360.000 por ano ou 42% a mais do que o famoso Gherkin.

O cap rate de escritórios comerciais no Brasil é 9,66%, segundo a FGV.  Seriam R$ 274.344.000 em resultado operacional ou 154% a mais que o Gherkin.

Nesse momento você deve estar pensando: que vacilada hein, Safra?
Muita calma nessa hora. Alguns pontos importantes da operação devem ser levados em conta para entendermos o verdadeiro potencial da aquisição.

Pontos qualitativos da aquisição:
1 - Moeda
Obter rendimentos estáveis, com características de renda recorrente é sempre muito bom e por si só já valoriza um ativo. Mas obter renda recorrente em moeda forte é ainda mais valioso. Os aluguéis do Gherkin são denominados em libras esterlinas. Enquanto o real está permanentemente ameaçado de valorização, a libra esterlina tem característica de moeda forte, conferindo estabilidade.

2 - Localização
Londres é uma das poucas cidades do mundo que pouco sentem as flutuações econômicas. O mundo compra ativos imobiliários em Londres. Especialmente o mundo árabe, os russos, chineses, indianos, europeus e brasileiros. Se determinado país ou setor econômico está mal, sempre tem um outro país ou setor que está bem e portanto com vontade de comprar em Londres. O mesmo fenômeno acontece em Nova York.

3 -  Qualidade do ativo
Ser “O” prédio ícone de Londres é algo que não é facilmente obtido mesmo com muito dinheiro. Um projeto arquitetônico diferenciado e uma excelente localização fizeram o truque. E esta é uma barreira de entrada importante para este edifício.
Estamos falando aqui do imóvel comercial mais importante de Londres. É o que chamo de aluguel de placa. A empresa ter sede nesse prédio certamente causa uma boa impressão em seus clientes. E este não é um fator desprezível a ser considerado.
Este prédio certamente tem “earnings power” ou capacidade de obter aluguéis maiores que a média com alta taxa de ocupação.

4 - Tamanho do negócio
Por incrível que pareça para nós mortais, bons negócios de quase R$ 3 bilhões são difíceis de serem identificados. É verdadeiramente um problema para bilionários encontrar bons ativos para investir na casa dos bilhões. Durma com um barulho destes.

Pontos quantitativos da aquisição:

1 - O prédio atualmente
Do jeito que o prédio está hoje, supondo que os aluguéis sejam corrigidos pela inflação e também supondo que o prédio seja vendido ao final de 20 anos pelo mesmo cap rate, ele apresentaria uma taxa de retorno (TIR) de 5,65% ao ano.

2 - Potencial de crescimento dos aluguéis
O imóvel está atualmente 99% ocupado com um aluguel médio de R$ 209/m2/mês. Aluguel no nível do crème de la crème da Faria Lima...
 O interessante é que os últimos aluguéis foram realizados na faixa de R$ 245/m2/mês. Uma relevante diferença de 17%.
Dada a qualidade do prédio e o nível de ocupação, aliados ao fato de que é um dos marcos da cidade, é razoável esperar que o empreendimento consiga elevar substancialmente os aluguéis praticados.
Um aumento de 17% dos aluguéis faria com que o retorno subisse de 5,65% ao ano para 6,80% ao ano.

3 - Alavancagem
Para turbinar a rentabilidade da aquisição, basta financiar grande e realizar uma arbitragem de primeira categoria.
Consultando operações similares de financiamento de prédios de escritórios, estimo que o Grupo Safra deve conseguir financiamentos com custo da ordem de Libor + 1,95% a.a.
Financiando 75% do valor de compra deste imóvel, o retorno que estava em 6,80% ao ano passaria a 9,59% ao ano. Esse aumento se deve ao fato de o retorno operacional ser maior que o custo do financiamento.

Pronto, obter quase 10% de retorno ao ano em libras esterlinas é um número muito bom para um ativo com alta previsibilidade de fluxo de caixa como este Gherkin adquirido pelo Grupo Safra. Mesmo comparando com o yield de imóveis comerciais brasileiros de 9,66% ao ano.
Portanto o objetivo do Grupo Safra vai muito além da mera conservação de capital nesta transação. Os retornos operacionais são maiores do que aqueles que seriam exigidos em um financiamento da aquisição e só isso já representa criação de valor para o Grupo Safra. Mas mesmo sem utilizar da alavancagem, o prédio tem características que permitem visualizar um aumento do resultado operacional ao longo dos anos com alta previsibilidade.
No final das contas, um pepininho até que não cai tão mal.
E quais são as oportunidades que temos no mercado brasileiro de aluguéis?
Isto é assunto para semana que vem.

Grande abraço.
PS: Caso ainda não tenha visto, na semana passada divulgamos o primeiro relatório da série Especial de Imóveis, abordando o tema bolha imobiliária. É um mapa completo para ajudar quem está prestes a tomar uma decisão sobre imóveis - seja na ponta compradora ou vendedora. Apresentamos um cenário base de preços, além de estimativas de descontos para bons negócios.
Marcio Fenelon

segunda-feira, 2 de junho de 2014

LORRANA SCARPIONI, A BRASILEIRA QUE GANHA DINHEIRO COM TEMPO LIVRE

COMO UMA REDE QUE PROMOVE A TROCA DE TEMPO, ELA FOI APONTADA COMO UM DOS 10 JOVENS BRASILEIROS MAIS INOVADORES

LORRANA SCARPIONI (FOTO: ARQUIVO PESSOAL)
Lorrana Scarpioni começou cedo: a brasileira é a mais jovem entre os jovens mais inovadores no Brasil. No final de abril, a edição em português da revista de inovação MIT (Massachusetts Institute of Technology), Technology Review, divulgou a lista com os dez brasileiros mais inovadores com menos de 35 anos. Aos 23 anos, Lorrana é uma das duas mulheres.
Nascida em Salvador, mas criada no Paraná, Lorrana acabou de se formar em duas faculdades que cursou ao mesmo tempo: Direito, na Unicuritiba; e Relações Públicas, na Universidade Federal do Paraná (UFPR).  Em 2012, e depois de assistir a dois documentários sobre economias alternativas e colaboração online, teve a ideia de criar uma rede colaborativa de troca de tempo, a plataforma Bliive, que hoje possui mais de 15 mil usuários e está em 55 países.

A rede funciona da seguinte forma: o usuário se cadastra na Bliive e oferece uma atividade, como, por exemplo, uma hora de aula de piano. Em troca, ele ganha um TimeMoney, a moeda utilizada na plataforma. Depois, ele pode trocar o crédito por qualquer outra atividade oferecida por outro usuário no site, como aulas de inglês ou de defesa pessoal básica. Até o momento, já foram registradas 27.500 horas, mil trocas foram realizadas e cerca de cinco mil estão para acontecer. Os membros do site também podem doar o seu tempo livre em ONGs cadastradas pela Bliive.

“A ideia é dar valor para todas as pessoas, não importa se ela irá fazer uma hora de Photoshop ou se vai ficar uma hora varrendo uma casa, isso vale um TimeMoney. Se você quer usar a Bliive, não é por que você quer ganhar alguma coisa a mais que alguém, é por que você quer trocar algo mesmo. Ou seja, todo mundo ganha a mesma coisa e todo mundo tem o mesmo valor”, afirmou.

Agora, depois de ganhar o seu quarto prêmio, o Sirius Programme , Lorrana se prepara para levar a sua startup para a Escócia, no Reino Unido. 
Sabemos que o Bliive surgiu depois que você assistiu a documentários sobre formas de economias alternativas e colaboração online. Como foi a concepção do serviço que está no ar hoje?
O documentário sobre economias alternativas falava sobre como o dinheiro pode ser mais saudável do que ele é hoje. Tratava de como a escassez do dinheiro trazia uma “escassez virtual”, ou seja, muitas pessoas que têm coisas boas para trocar, mas não possuem a moeda que permite que essas trocas aconteçam. Quando é criada uma economia onde a troca é em material, você cria um sistema de abundância onde as pessoas podem utilizar aquele talento, que até então estava sendo desperdiçado.
O outro documentário era sobre colaboração online e couchsurfing. Um dia, eu estava assistindo vários Ted Talks e eu sempre achei que para empreender a gente tinha que ter muitos recursos. Eu sempre quis montar uma ONG, mas imaginava que tinha que ser depois que eu ganhasse dinheiro. Nessa noite, eu percebi o quanto as pessoas podem fazer, muitas vezes sem recursos. Eu fui dormir e fiquei me perguntando o que dava para fazer que tivesse algum impacto. Mas foi coisa de estar sem sono, não foi nenhuma discussão filosófica. Eu não estava conseguindo dormir, pensei, e daí veio a ideia da Bliive. Daí eu levantei para anotar e já fez sentido.
Você já tinha pensado em abrir uma empresa?
Eu sempre me imaginei criando uma ONG ou uma escola, mas eu não me imaginava criando uma empresa, eu me achava muito inexperiente.
Depois de ter a ideia de madrugada, quais foram os primeiros passos para criar a rede?
Para fazer a ideia acontecer, eu contei para alguns amigos e fiz parcerias. A jornada foi um pouco complicada porque eu acabei fazendo muitas parcerias que não deram certo. Eu fiz uma parceria com o filho de um amigo do meu pai, que tinha uma empresa de tecnologia. Nós começamos juntos e acabou não dando certo, porque ele queria esperar para ver se não aparecia nenhum projeto parecido. Daí eu resolvi acabar a sociedade. Depois, eu resolvi ir a empresas grandes, mas elas cobravam muito dinheiro para criar a plataforma. Uma delas chegou a me pedir mais de R$ 150 mil. Em meio a tudo isso, eu entrei em um estágio na Procuradoria da República do Estado do Paraná. Nessa época, eu ainda cursava direito na Unicuritiba. Foi aí que eu resolvi pagar um programador eu mesma, o que acabou não dando certo também. Eu tive a ideia em maio de 2012 e em novembro ainda não tinha uma linha de código programada. Depois de perceber que não dava certo, resolvi pegar o dinheiro que os meus pais iam pagar para que eu tivesse baile de formatura e investir na minha empresa. Nessa época, também consegui dois designers como sócios, Murilo Mafra e José Henrique Fernandes, e começamos a pagar um programador. Um designer fez a parte de marketing e o outro fez a parte de web. No dia 3 de dezembro de 2012, nós programamos a primeira linha de código da Bliive e lançamos a rede colaborativa em maio de 2013.
Vocês tiveram algum investimento no início?
Por enquanto, nós não recebemos nenhum investimento. No começo do projeto, ninguém trabalhava só para a Bliive. Eu fazia duas faculdades, tinha um estágio e os outros também continuaram a fazer freelas. Em outubro, nós ganhamos o primeiro prêmio nacional, a Creative Business Cup Brasil e fomos para a Dinamarca. Lá, nós descobrimos que uma oportunidade legal seria entrar no mercado europeu pela ideia e a oportunidade de negócios que existe por lá. Depois do prêmio, nós começamos a negociar com alguns investidores brasileiros, mas em janeiro nós já ficamos na fase final de um programa do governo inglês de aceleração, o Sirius Programme. Em fevereiro, saiu que a gente tinha passado. [A Bliive competiu com 2 mil concorrentes do mundo todo para ser uma das 30 empresas selecionadas pelo Sirius]. Aí, nós paramos todas as negociações com os investidores, porque iremos para a Escócia passar um ano em contato com o mercado europeu. Nós vamos ter um salário de mil libras para cada integrante e outros vários benefícios, como escritório, mentoria, capacitação em vendas, etc.
Quatro membros vão para a Escócia. Quantos vocês possuem no total? O que eles fazem?
Nós estamos em sete. Quatro vão para a Escócia e três vão ficar no Brasil. São dois programadores, dois designers, um de marketing e um de web, um advogado, uma de relações internacionais e eu.
Quais são as suas expectativas sobre este ano?
Eu imagino que seja um tempo de muito aprendizado. Para mim, é a realização de um sonho porque eu vou trabalhar oito horas na Bliive e vou conseguir me manter. Nós sabemos que nós temos um ano para fazer o negócio acontecer e fazer que ele dê certo de verdade. O governo inglês apoia mesmo, no sentido de oportunidade de negócio e contato para venda. Eu imagino que seja um tempo para dar o melhor e fazer essa oportunidade valer a pena. O objetivo do programa é que em até seis meses, as empresas consigam investimentos. 70% das empresas que entram, recebem. Nesses seis meses, a gente vai passar entendendo o mercado e remodelando a empresa e aí será o momento de procurar investimento para fazer a aceleração mesmo.
Depois de colocar o site no ar, como vocês perceberam que a ideia estava dando certo? O que foi preciso fazer para que as pessoas começassem a gostar da sua ideia?
Tudo aconteceu via mídia espontânea. Nós não tínhamos recursos para assessoria de imprensa, mas como a ideia era muito legal, logo nas primeiras horas que o site estava no ar, já tinha matéria falando da Bliive na mídia. Foi saindo em muitos lugares e isso foi deixando a gente muito feliz. No começo, para entrar na rede, tinha que receber um convite de alguém e no primeiro mês nós tivemos uma lista de espera com 12 mil pessoas.
Quantos usuários vocês conseguiram no primeiro mês? Como a plataforma foi crescendo?
Na época de convite, no primeiro mês, entraram umas três mil pessoas e continua crescendo nesse ritmo. Hoje, nós temos quase 16 mil usuários e acreditamos que a partir de agora é que vamos começar a crescer de verdade. Por enquanto, só eu trabalho apenas para a Bliive. Agora, mais três pessoas irão se dedicar ao projeto oito horas por dia.
Como a empresa se tornou multinacional?
Nós começamos a nos tornar internacionais depois de um mês que a plataforma estava no ar. Blogs internacionais começaram a fazer matérias sobre a rede e foi aí que o pessoal de fora começou a acessar. Nos Estados Unidos e em Portugal, nós temos mais de 500 usuários.  Ao todo, são quase mil usuários internacionais. Para ajuda, nós traduzimos a rede para o inglês também.
Quando você decidiu abandonar o seu emprego para se dedicar exclusivamente no projeto?
Eu comecei a trabalhar em setembro de 2012 e parei de estagiar em setembro de 2013. Eu trabalhei um ano lá, enquanto eu fazia duas faculdades e tocava a Bliive. Era bem maluco (risos).
Achei muito interessante a ideia do TimeMoney, mas as pessoas possuem cada vez menos tempo livre. Como resolver esse impasse?
Muita gente arruma tempo. Tempo ninguém tem e todo mundo tem, é só querer. Hoje, eu percebo que quando a pessoa curte a ideia e acredita, dá um jeito. Nós queremos lançar até o final do ano uma ferramenta de agenda para ajudar as pessoas a organizarem o próprio tempo. A ideia é sincronizar a agenda dos usuários para eles encontrarem quem tem o mesmo tempo livre. Essa é uma das ferramentas que vai ajudar a galera a encontrar tempo.
Hoje, a rede possui quase 16 mil usuários e está em 55 países. Este número está dentro das suas expectativas?
Eu acho que no começo de uma startup nós acabamos sonhando muito alto. A gente imagina que vai ter um milhão de usuários em um ano. Eu acredito que esse seja um número bom, mas a gente espera obter resultados maiores.

Voce já trocou alguma hora? Qual?
A primeira hora que eu troquei foi sobre empreendedorismo e startup. Eu gosto muito dessa parte de empreender e dar palestras sobre isso é algo que me inspira bastante. Na verdade, eu dou umas dicas e em troca, eu já fiz bastante coisa, como aula de violão e até de Google Analytics.
Qual foi a atividade oferecida mais estranha que você já viu no Bliive?
Tem muitas pessoas oferecendo atividades bem diferentes. Tem gente que ensina a coreografia do Single Ladies, a pular corda como o Rocky Balboa, tem gente que oferece para arrumar a bagunça do quarto. Tem uma que eu achei muito interessante que era alguém oferecendo uma opinião de um terceiro desinteressado – todo mundo da família e dos amigos já tem uma opinião formada, ou seja, ele estava oferecendo uma opinião com imparcialidade. As pessoas são muito criativas e o que é legal do Bliive é que muitas das coisas que são oferecias lá você não encontraria no mercado normal, pagando. Por ser colaboração, acho que as pessoas entram mais na vibe de criar coisas diferentes.
Em algum momento já passou pela sua cabeça vender a empresa? Você já recebeu alguma proposta de compra?
Hoje, eu não venderia e nos próximos anos talvez não. No começo, nós éramos muito apegados, mas hoje eu vejo que se um dia eu perceber que o melhor para o Bliive é não estar comigo, é estar com uma empresa que às vezes faria mais para ela do que eu, sim, eu venderia. Venderia pelo bem da ideia e para tornar o mundo mais colaborativo. Mas, no geral, não é um plano que eu tenho.
Depois do Facebook, surgiu uma onda de novas redes sociais oferecendo diversos serviços – a maioria delas não decolou. Qual é o segredo da Bliive?
Eu imagino que é não ser uma rede social de fato. Eu acredito que o nosso diferencial tá na troca de tempo. Tem a parte social, onde você pode compartilhar com os seus amigos as coisas que você está vivendo e fazendo, mas, no geral, a rede está focada em troca, em experiências que te permitem sair de casa e conhecer gente olho no olho.

Quais são os próximos planos para a rede? O que vocês esperam que ela se torne nos próximos anos?
O próximo plano é a internacionalização da Bliive, que vai ser um desafio importante. Nós também queremos redesenhar a plataforma. Agora que nós temos bastantes usuários, a ideia é ouvir mais eles e pegar mais informações sobre a forma como eles agem e o que ele mais usam e menos usam para poder deixar a plataforma do jeito que eles imaginam e gostariam. Nesse ano, os maiores desafios são: promover mais troca e tornar o modelo de negócio escalável – além de sustentável, a empresa precisa começar a crescer.

Como você acha que a Bliive irá conseguir aumentar o número de trocas?
Nós precisamos aproveitar mais da inteligência que a gente tem dentro da plataforma. Nós precisamos que as atividades que determinada pessoa preferir, chegue até ela de maneira mais fácil, por exemplo. Uma interação com o Facebook, para dar mais segurança ao usuário, também seria importante.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Usucapião especial de imóvel urbano: Instrumento da política urbana

Celso Augusto Coccaro Filho
Procurador do Município de São Paulo e Advogado 

1. INTRODUÇÃO


            O Estatuto da Cidade, autodenominação da Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001, inclui o (1) usucapião especial de imóvel urbano entre os 18 institutos jurídicos e políticos que se alinham, ao lado dos planos de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social, do planejamento das regiões e aglomerações metropolitanas, do planejamento municipal, dos institutos tributários e financeiros e do estudo prévio de impacto ambiental e estudo prévio de impacto de vizinhança, como instrumentos de consecução da política urbana, delineada no art. 182 da Constituição Federal.
            O usucapião especial de imóvel urbano é conduzido pelos objetivos nitidamente traçados na norma constitucional: deve servir ao desenvolvimento das funções sociais da cidade, ao bem-estar de seus habitantes e ao meio ambiente.
            Como forma de aquisição da propriedade de bem imóvel, nas duas modalidades em que se apresenta, individual e coletiva, sua parcela de contribuição à política urbana é afeita à função social da propriedade, ao gerar a perda desse direito, para quem não o exerce, tendo em vista aquele escopo apriorístico, e sua aquisição, para quem age de forma coincidente à sua finalidade.
            É antigo o debate sobre o fundamento do usucapião, contrapondo-se teorias subjetivas às objetivas, como sói ocorrer no Direito Civil; mas, ao contrário de outros embates clássicos, que se alongaram com vitórias alternadas em sucessivas batalhas travadas pelos campos oponentes, as explicações subjetivistas logo cederam terreno, não só diante das naturais dificuldades de averiguação de condutas e quereres mas também porque o subjetivismo confere ao usucapião característica social minimalista, que o instituto não merece possuir.
            De fato, não há sentido em fundamentar o instituto na passividade do proprietário, que não exerce o direito na plenitude dos elementos que o compõem (usar, abusar, reivindicar, dispor), supondo a ele ter renunciado, permitindo ao possuidor que dele se aproprie, como na ocupação de res derelicta.
            Tal conclusão foi constituída sob a ótica do caráter absoluto e intangível da propriedade, que apenas admite violação pelo próprio titular. Desconsidera a função e a finalidade social que justificam a existência do próprio direito de propriedade.
            No atual concerto jurídico, que ora revela plena harmonia – o extinto Código Civil de 1916 já não se presta como "ressalva" à Constituição Federal ou trincheira de resistência de interesses retrógrados –, concebe-se apenas a propriedade que cumpre sua função social.
            O caráter absoluto persiste, sob a ótica do poder exercido sobre a coisa, apenas quando possível concebê-lo de forma isolada, pela estrutura interna, abstraindo-se o entorno social.
            O usucapião, como forma de aquisição da propriedade, reveste-se do mesmo escopo e a ele se presta. A inação atribuída àquele que perde a propriedade indica violação à regra cogente da função social. O não-uso, a falta de aproveitamento, a inutilidade da coisa, que se reduz a mero componente patrimonial, ensejam análise objetiva, do próprio fato, indicando absoluto contraste com a função social, que traz implícitos uso e proveito.
            O possuidor, que exerce a posse ad usucapionem, por outro lado, demonstra agir com base nos pressupostos da função social que deverá justificar a aquisição de seu direito. É interessante notar que o atributo da função social, conferido pelo possuidor ao bem, antecede a propriedade, que o pressupõe. O possuidor confere à coisa possuída o atributo que lhe foi negado pelo proprietário, que teria o dever legal de concretizá-lo, pelo seu exercício.
            Consumada a aquisição, pelo decurso do tempo legal exigido – observando-se as demais qualificações da posse –, o possuidor, que antes dava plenitude à função social pelo exercício efetivo e de fato, passa a ser obrigado a observá-la.
            A Teoria Objetiva de Ihering, que explica a posse como exteriorização da propriedade, identificada pelos seus elementos ou poderes, foi adotada pelo antigo Código Civil (2) e preservada no Diploma atual.
            O art. 1.196 define o possuidor como aquele que "tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade". Tais poderes devem ser, contudo, exercidos em "consonância com suas finalidades econômicas e sociais" (art. 1.228, § 1.º, do Código Civil).
            Talvez se mostre inexato concluir que o possuidor deva ser identificado pelo exercício da função social da propriedade, ou que, exercendo alguns dos poderes inerentes àquele direito – o uso, por exemplo –, deva a ele ser negada a qualificação, verificado que o uso imprimido não corresponde àquele que pressupõe a função social.
            O exercício dos poderes da propriedade, não compatível com a função social, implicaria, assim, negativa à caracterização da posse.
            A conclusão não se acomoda às características da posse comum, mas é útil na análise da posse hábil para o usucapião especial urbano.
            Primeiro, sob a ótica endógena do instituto, dos elementos que constituem seus pressupostos: a posse deve ostentar a qualidade do animus domini (3); a utilização do imóvel é vinculada à moradia, do possuidor ou de sua família; o direito será reconhecido uma única vez; há limitação de área; o lapso temporal reduzido, justificado pela concomitância dos demais pressupostos, indica a preocupação legal de propiciar a concretização de garantias constitucionais fundamentais, como a habitação e moradia. (4)
            São qualidades que indicam a função social da posse e autorizam a aquisição da propriedade urbana: elementos de proveito efetivo e ação positiva, como morar ou habitar, dimensão do imóvel que não enseja a exorbitância de tais atividades, restrição à figura do posseiro ou grileiro, dada a oportunidade singular de exercício etc.
            A função social da posse que enseja o usucapião avulta nos elementos externos do instituto, evidenciados na sua utilização como instrumento de consecução da política urbana.
            A política urbana tem como objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana; esta, por sua feita, deve ser concebida "em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental".
            A posse capaz de ensejar o usucapião é qualificada; não é qualquer posse, como explica caio mário silva pereira:
            não basta o comportamento exterior do agente em face da coisa, em atitude análoga à do proprietário; não é suficiente a gerar aquisição, que se patenteie a visibilidade do domínio. A posse ad usucapionem, assim nas fontes como no direito moderno, há de ser rodeada de elementos, que nem por serem acidentais, deixam de ter a mais profunda significação (...) (5)
            Tais observações permitem afirmar que a posse ad usucapionem, na modalidade estudada, deve conter elementos identificadores da função social da propriedade, não só aqueles que a lei considera como pressupostos internos do instituto mas também aqueles ditados pela política urbana, tal qual concebida pela Constituição Federal, impulsionada pelas diretrizes elencadas no art. 2.º do Estatuto da Cidade.
            Resta concluir que o referido direito deve ser moldado à sua função social, tanto para evitar que arraigadas concepções afeitas à vetusta usucapio obstem seu exercício – principalmente no caso do usucapião coletivo – quanto no sentido contrário, isto é, que as mesmas concepções, não conformes às necessidades da política urbana, permitam o exercício que não se acomoda à expectativa social e da pólis.

2. USUCAPIÃO ESPECIAL INDIVIDUAL
            O usucapião individual é objeto do art. 9.º do Estatuto da Cidade, que reproduz o art. 183 da Constituição Federal e é, por sua feita, reproduzido no art. 1.240 do Código Civil de 2002.
            Tamanha insistência na fixação do instituto, com a reprodução fiel de seus elementos essenciais, enseja poucas considerações a seu respeito.
            2.1. Res habilis
            Os arts. 183 da Constituição Federal e 1.240 do Código Civil apontam como bem apto a propiciar a aquisição por usucapião especial área urbana de até 250m².
            O art. 9.º do Estatuto da Cidade acrescentou, por sua feita, "ou edificação".
            O Texto Constitucional enseja insegurança interpretativa, no caso de edificações: o limite de área é relativo ao terreno ou à soma das áreas da terra nua e da construção?
            No caso de apartamentos, deve ser computada a área útil ou total, incluindo áreas comuns do condomínio?
            Em obra que merece o nome que ostenta, benedito silvério ribeiro expõe seu entendimento:
            O mais consentâneo e justo é aceitar que o preceito constitucional teve por objetivo a área do terreno, mesmo porque foi também levada em consideração a aquisição ou a regularização de parcelas de solo destacadas de loteamentos à margem da lei e normas urbanísticas.
            Nos casos de apartamentos, em que a fração ideal do solo é mínima, é possível levar-se em conta a área da unidade autônoma, que pode ser pouco significativa. A área a ser considerada, no caso, é a total, não a útil (6).
            A conclusão é, sem dúvida, compatível com os desígnios do instituto: a soma das áreas de terreno e edificação, no cômputo do limite, subtrai da lei o escopo de propiciar moradia (que pressupõe a edificação). Além do que, é patético aceitar que o possuidor proceda à demolição de construção de 100m² num terreno de 200m², para então fazer jus ao seu direito, morando numa choupana, para erguer nova construção, após a aquisição da propriedade.
            O que deve ser evitado são situações de visível distorção, como absorção de áreas contíguas à construção, até o preenchimento do limite, com extravasamento abusivo do lote original ou daquele que faz pressupor a efetiva utilização para moradia.
            josé carlos de moraes salles reclama melhor definição do Texto Constitucional, que deveria ter fixado a "metragem de construção passível de usucapião", o que poderia ter evitado:
            (...) a incidência do usucapião especial urbano sobre situações que, por certo, não quis proteger (como, por exemplo, a de grandes construções levantadas sobre uma área de duzentos e quarenta ou duzentos e cinqüenta metros quadrados de terreno). Não o tendo feito, deu ao art. 183 redação que possibilitará a incidência da referida espécie de prescrição aquisitiva a situações não objetivadas, esquecido de que a norma legal ou constitucional, depois de editada, se desliga da pessoa ou do legislador que a criou, passando a ter espírito condizente com o meio social para que foi instituída (7). (grifo do autor)
            O receio é ponderável, e tais desvirtuamentos são inevitáveis. As hipóteses teratológicas esbarram, porém, nas leis edilícias, que, em zonas urbanas residenciais, costumam estipular coeficientes restritos de ocupação de terrenos por edificações. Também não se pode perder de vista que áreas construídas de dimensões maiúsculas contrastam com a moradia, que é pressuposto legal da aquisição, sobretudo levando-se em conta a suficiência que justifica a limitação de área.
            A inclusão da expressão "ou edificação" é prejudicial à referida interpretação, por induzir, em análise precipitada, à idéia de alternativa excludente (terreno ou edificação, como elementos distintos, cuja área somada não poderá ultrapassar 250m²).
            A mens legis parece ser outra, de alternativa includente, com duplo espectro: evidenciar o caráter acessório da edificação e sua pertinência como res habilis do usucapião especial urbano e diferenciar o usucapião individual do usucapião coletivo, este dirigido à área urbana, tendo a lei omitido, no dispositivo específico, a palavra edificações. Tal análise será retomada nos estudos do usucapião urbano coletivo.
            Outra vez atento à torpeza humana, fatto la lege, fatto la burla, José Carlos de Moraes Salles lembra outra possível fraude à lei e aos seus intentos, que reputamos de maior gravidade: a posse sobre área maior poderá ensejar a aquisição pelas demais modalidades de usucapião previstas no Código Civil, que exigem lapso temporal superior (exceto a hipótese prevista para o usucapião ordinário, no parágrafo único do art. 1.242), desarmando o proprietário, que poderia interromper a prescrição ou contestar a posse após o qüinqüênio, de forma eficaz. A redução da área pelo usucapiente implicará antecipação do prazo, tornando inúteis as medidas que o proprietário pretendia exercer, no prazo que a lei lhe dizia correto.
            Parece-nos que a repugnância do autor ao deferimento, em tal situação (rejeição apoiada pelos pontos de vista de celso bastos e de tupinambá miguel castro do nascimento (8)), deve ser traduzida pela improcedência da ação, mais uma vez com fulcro nos pressupostos legais ("moradia suficiente") e aplicação da lei segundo sua finalidade social.
            O Código Civil de 2002 fornece elementos de possível justificação, ao prever a nulidade do negócio jurídico que "tiver por objetivo fraudar lei imperativa" e também do negócio jurídico simulado (arts. 166, VI, e 167), hipóteses que podem ser transmitidas aos "atos lícitos, que não sejam negócios jurídicos" (art. 185), caso da posse conscientemente dirigida à aquisição da propriedade.
            De qualquer forma, pleitos da natureza deverão ser analisados com aguçada sensibilidade jurídica e social.
            Também relevante a observação realizada por Benedito Silvério Ribeiro, de que a área de terreno é o parâmetro do limite, propiciando a regularização de loteamentos "à margem da lei".
            Recente acórdão proferido pelo Tribunal de Alçada de Minas Gerais vai ao encontro da tese. É enfático o Juiz relator Edgard Penna Amorim, que recusa de forma veemente sentença extintiva de usucapião especial urbano, de área situada em loteamento irregular, por ausência de pressuposto de constituição do processo: "Aliás, entendo que o objetivo da Carta Magna foi exatamente o de permitir a regularização do imóvel na hipótese como a presente, sendo inadmissível exigir-se a regularização do loteamento como pressuposto para o ajuizamento de ação de usucapião, data venia" (9).
            Sábia decisão. O que está à margem da lei deve a ela se adequar e não se perpetuar na marginalidade, evidenciando-se a utilidade do usucapião especial como instrumento da política urbana.
            Embora não formulada sob a ótica urbanística, é pertinente e atual a observação de Orlando Gomes:

            É socialmente conveniente dar segurança e estabilidade à propriedade, bem como consolidar as aquisições e facilitar a prova do domínio. A ação do tempo sana os vícios e defeitos dos modos de aquisição porque a ordem jurídica tende a dar segurança aos direitos que confere, evitando conflitos, divergências e mesmo dúvidas (10).
(...)